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Rebeubeu, Pardais ao ninho

Rebeubeu, Pardais ao ninho

Janeiro 31, 2021

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Como quase todos nós, a minha vida agora passa-se toda em casa. Diria que 70% do meu tempo é passado no digital. Os restantes 30 são para dormir, comer, passear as cadelas e ler.

Há dias em que me sinto completamente farta das reuniões Zoom, dos webinars e dos mails. Mas depois há outros em que a internet me surpreende. Esta semana, estas foram as minhas descobertas:

 

Já falei do Reedsy no post sobre contos. Estou fã deste site para quem gosta de escrever. Não tendo informação muito profunda, ajuda-me a manter uma rotina de escrita e dá-me boas ideias. Gosto sobretudo dos “cursos” que são feitos por email (daí as aspas). Dependendo daquele que se escolha, são 10 ou 12 emails com lições sobre o tema, enviados diariamente. O lembrete que eu preciso no meu de um dia atarefado com outras coisas.

 

O twitter do Josh Spector é um bom instrumento para quem quer saber mais sobre redes sociais. Para além das frases instrutivas, de vez em quando, o criativo também se propõe a dar dicas especificas a quem responder. Recentemente, falei-lhe do Clube de leitura que modero e recebi uma dica preciosa. Através da sua newsletter descobri também um tweet com uma seleção dos melhores ensaios de 2020. Daqueles que dão que pensar, mas mais que isso, estão escritos maravilhosamente.

 

Finalmente, descobri que o Sapo24 tem uma nova rúbrica de opinião,  Mundo Novo, que tem como objetivo promover novos rostos nos espaços opinativos. Assim, está disponível para receber e publicar textos de opinião de qualquer pessoa, com uma só condição: que tenham menos de 35 anos.

Janeiro 27, 2021

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Descobri este “jogo” numa altura em que andava focada em desenvolvimento pessoal. Tinha tomado a decisão de largar tudo, trabalho, casa e tudo o que criei nos 6 anos que vivi na Irlanda, para voltar para Portugal. Estava desempregada e não sabia exatamente o que queria fazer da vida. Tinha tirado um curso de Coach e talvez esse fosse o caminho. O tempo permitia-me andar a ver todas as Ted Talks que me interessavam ou que, por algum motivo, se tinham tornado populares.

Por coincidência, andava a sair com um rapaz que tinha conhecido num dos muitos workshops que me tinha posto a fazer, quando me deparei com esta talk, em que a oradora, Mandy Len Catron, conta como resolveu testar a experiência do psicólogo Arthur Aron.

Imediatamente quis fazer a experiência com ele, mas tive medo. Pedir-lhe para fazermos isto punha-me numa situação de vulnerabilidade para a qual não sabia estar preparada. Hoje, três anos depois, parece-me ridícula esta ideia, mas na altura era mostrar-lhe que me queria apaixonar e que queria que ele se apaixonasse. Que estava ali para valer. Vivia ainda influenciada por toda uma cultura que se alimenta entre as mulheres: não se pode assustar um homem. Hoje sei que,  já nessa altura, o João queria o mesmo que eu e que, mesmo que não quisesse, não fazia mal. Somos seres com vontade própria, mas que aprenderam que o papel das mulheres deve ser o de convencer os homens que foram eles a querer.

Falei-lhe nisto como quem não quer a coisa. “Ah e tal, olha que giro, hoje vi uma Ted Talk sobre um casal que se apaixona em laboratório. Segundo o psicólogo que formulou a experiência, duas pessoas que respondam a 36 perguntas especificas e depois passem 4 minutos a observar-se olhos nos olhos vão apaixonar-se. E comprovada, a experiência resultou num casamento e a oradora da conferência, também se apaixonou.”

Ele quis fazer a experiência e eu gostei logo mais um bocadinho dele. Afinal de contas, talvez o amor seja isto, estarem duas pessoas predispostas para a vulnerabilidade perante a outra.

A teoria é precisamente essa, que as perguntas selecionadas levam a uma intimidade que, normalmente, pode levar meses a acontecer. Se algumas são mais triviais, tipo o que temos em comum,  outras levam a que se fale de infância, de morte, de emoções. Por outro lado, se algumas são mais individualistas e começam com “o que é que tu...?” e outras há que obrigam a pensar em conjunto, em “nós” como uma entidade.

É me difícil concluir se foi este estudo que nos levou onde estamos agora, juntos e felizes ou se estaríamos no mesmo lugar se não o tivéssemos feito. Chego à conclusão que esse caminho da intimidade já o tínhamos começado. Não só no momento em que decidimos fazer a experiência, mas mais cedo, no dia em que trocámos as primeiras mensagens, dois meses antes deste feito, mas não posso deixar de recomendar o teste àqueles a todos aqueles que queiram isto, mais do que apaixonar-se, conhecerem-se melhor.

Janeiro 26, 2021

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Desde que eu e a Beatriz do Procrastinar Também É Viver, criámos o clube de escrita O Primeiro Capítulo, que tenho estado mais atenta a tudo o que é prémios literários e tem sido vários os participantes a concorrer a esses prémios. Um dos que se tem mostrado mais relevante para o grupo acaba de abrir inscrições, o Novos Talentos Fnac.

O prémio Novos Talentos Fnac é um prémio atribuído todos os anos a diferentes categorias, sendo uma delas a escrita. Nesta categoria, a conhecida rede de lojas, procura contos até 12.000 caracteres (incluindo espaços). O vencedor recebe 1.500 euros e 3 autores verão os seus contos publicados no livro Novos Talentos FNAC 2021, receberão um workshop na Escrever Escrever e também um eReader Kobo Nia. A decisão dos vencedores fica a cargo dos escritores Afonso Cruz, Dulce Maria Cardoso, João Tordo e Conceição Garcia (diretora da Escrever Escrever).

O próprio membro do júri, João Tordo, deixa no site da Fnac dicas para se escrever um bom conto e na internet não faltam sites com conselhos. Recentemente, descobri o Reedsy, um blog, em inglês, para pessoas que queiram escrever que, para além de um artigo com 7 passos essenciais para escrever um conto, tem também uma secção de ideias para quem não saiba sobre o que escrever. Em português, sugiro que se dê uma vista de olhos nas dicas da Sofia, no blog A Sofia World, que no âmbito deste mesmo concurso, o ano passado, escreveu 4 posts sobre o tema.

Finalmente, porque não se pode escrever sem ler recomendo que procurem ler outros contos já publicados. Deixo como recomendação aquele que li mais recentemente e que, por coincidência, até é de uma das juradas do concurso, Tudo São Histórias de Amor de Dulce Maria Cardoso.

Este ano, estou a pensar seriamente em candidatar-me e por aí, há candidatos? Têm dicas?

 

Janeiro 23, 2021

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Ainda vou no primeiro confinamento, mesmo que pareça que isto começou noutra vida. Antes de saber que tinha que usar óculos. Antes de ter ido de urgência para o hospital por ter entornado para cima de mim o litro de água a ferver com que ia fazer chá. Antes de ter ficado um mês na cama, cheia de ligaduras e cheia de sono. Tanto sono. Antes de ter adotado uma cadela de oito anos para fazer companhia à de nove. Antes dela ter fugido. Antes de a termos encontrado. Antes de termos começado todo este o processo de domesticação, outra vez.

Nunca acreditei que o mundo se fosse tornar melhor, mas acreditei um bocadinho. Acreditei que ia cozinhar mais, e cozinhei. Acreditei que os patrões, por não terem escolha, iriam confiar mais nesta coisa de trabalharmos de casa. E cofiaram. E que iam perceber que isto de obrigar pessoas a trabalhar doentes tinha que acabar. E perceberam. Acreditei que nos íamos unir mais. E unimos. Mas pelo meio cansei-me. Cansámo-nos. Passámos a ter mais máscaras espalhadas pelo chão, mais zangas nos supermercados, mais desconfiança nos outros, menos confiança em tudo. A culpa é tua. A culpa é do governo. A culpa não é minha. Se tens Covid é porque não tiveste cuidado. Se sais de casa mais que eu, mereces apanhar isto mais que eu. Se foste visitar os pais, o tio, o passarinho, mereces isto mais que eu.  Se queres as escolas fechadas, se queres as escolas abertas, se queres ensino à distância, se queres férias para os miúdos, mereces isto mais que eu. A culpa é tua. A culpa não é minha.

Em março, noutra vida, entrei nisto com energia. Ia ler mais, ia ligar mais, ia escrever mais, ia cozinhar mais. Ia ficar tudo bem.  

Abril 02, 2020

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Quando me mandaram trabalhar em casa, pensei que isto ia ser fácil. Gosto de estar em casa e gosto de trabalhar em casa.

Entrei em modo funcional e produtivo. Tinha mudado de casa uma semana antes, havia livros para pôr nas prateleiras, loiças para guardar nos armários, colchas e lençóis para dobrar nas gavetas. No trabalho também se criaram novos projetos para garantir um serviço aos que dele precisem. Os meus dias passaram a ser mais longos, a ter mais horas. O tempo e a energia a chegarem para tudo.

Já as minhas noites passaram a ser mais curtas. Os olhos passaram a abrir sempre antes do despertador. As pessoas à minha volta que são de risco e que me assaltavam a mente, sempre, antes de dormir. Os avós, os pais, o irmão, os amigos. De repente, somos todos de risco. Ou somos muitos mais do que imaginávamos.

Não há um dia em que, nem que seja só por um milésimo de segundo, não pense que estou infetada. Porque tossi, porque espirrei, porque me dói o corpo das noites mal dormidas. No meu caso, as mudanças e a minha alergia ao pó não ajudam, mas desconfio que essa é apenas uma desculpa. Se não fosse nada disso, até poderia ser a unha do pé. Todos os dias, nem que seja por um milésimo de segundo, perguntar-me-ia se estarei infetada e não sei.

Deixei de conseguir ler. As letras deixaram de fazer sentido entre elas. Deixei de conseguir ver séries. São demasiadas as distrações. Grupos de whatsapp, houseparties e notícias. Notícias e mais notícias que sabem àquele refrigerante com demasiado açucar e que dá uma falsa sensação de matar a sede. Minutos depois, a boca sedenta, pede mais e mais.

Ao décimo quarto dia desta quarentena, quebrei. Faltou-me a energia, gretou-se-me a pele nas mãos infinitivamente lavadas e eu quebrei.

Percebi que estar em casa não é difícil. Difícil é o que se deixa lá fora. Porque o que está fora é invisível e, pior, está no meio de nós.

 

 

Março 26, 2020

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Acho que já está farta de nós e desta quarentena. Nunca mais a deixámos dormir aquela sestinha da manhã, à hora a que costumamos sair. Como cão, tem a missão de nos seguir para todo o lado, mesmo que seja do quarto para a casa de banho e estes donos, são muito irrequietos. Um levanta-se para ir fumar, o outro para ir à casa de banho, depois, novamente, o outro para ir beber água. O ritual repete-se. Começa por lavar minuciosamente as suas patas para que estejam incólumes e ali possa poisar a cabeça, encosta a cabeça, suspira e quando está ali naquele limbo, pumbas, um levanta-se. Outra vez. Forçando a sujar as suas patitas e recomeçar tudo de novo.

Estão em casa, como se fosse sábado ou Domingo, mas separados. Cada um no seu computador, cada um na sua divisão da casa. Os primeiros dias, passava-os a correr de uma divisão para a outra, verificando o estado de cada. Depois fartou-se e passou a seguir só um, a dona. Eu.

Não gostou que lhe tivesse mudado a cama para o meu lado, no escritório. Não gosta que se mudem coisas de sítios, por isso, em forma de protesto, no primeiro dia, deitou-se em todas essas suas tentativas para dormir, ao lado da mesma. Eventualmente, rendeu-se.

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Gosta, mais que nunca, de ir à rua. A relva sempre vazia, sem perigos iminentes à volta, como pessoas e outros cães, podendo assim disfrutar dos milhares de cheiros. Associa este facto à mudança de casa que fizemos uma semana antes de declarada esta pandemia, mas verdade seja dita, quarentena ou não, nada nunca baterá o número de pessoas, cães e atividades da Alameda.

Sabe que algo está diferente, não só pela constante presença dos donos, mas pelas suas inquietações. Porque se levantam antes de tocar o despertador, porque limpam a casa o tempo todo, porque cozinham muito e porque passam a vida a pôr um tubinho branco debaixo do braço, que retiram quando faz um zumbido que lhe aleija os ouvidos. Até hoje, suspiram sempre de alívio.

Certamente irá a estranhar a falta de companhia quando tudo passar e quando, nós, os donos, voltarmos às nossas rotinas, mas agora? Agora só quer lavar as patitas num ato único e dormir uma sesta de seguida. Prioridades.

 

 

 

 

 

Fevereiro 14, 2020

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Hoje, dia dos namorados e, coincidentemente, aniversário da primeira noite que passámos nesta casa, foi o dia em que eu percebi: já não há volta a dar.

Nunca tivemos a conversa sobre viver juntos. Aconteceu. Fiquei uma noite aqui, uma noite ali, até repararmos que eram já muitas noites de seguida e que surgia agora a necessidade de lavar roupa. Necessidade essa que nos levou a misturar cuecas, peúgas e soutiens num tambor da máquina que se encontra ao fundo da cozinha desta casa.

O João já lá tinha vivido vários anos. Com outra pessoa, antes de mim. Talvez por isso, talvez pelos muitos vestígios dessa presença na casa, dormir ali nunca me deu a segurança que senti hoje: já não há volta a dar.

O João foi um dos muitos contemplados com uma carta do senhorio que, por outras palavras, informava que este queria melhor rentabilizar o seu bem escasso: uma habitação em Lisboa. Já eu, era, e sou, já proprietária duma casa, fora de Lisboa e que, automaticamente, implica uma carga mensal muito menor. Decidimos mudar. Sempre quis voltar para esta casa, não desde que estamos juntos, mas desde que fui viver para o estrangeiro, há 9 anos.  Talvez por isso e pelo facto de não ter havido ali nunca nenhum coabitante que integrasse outro par amoroso que não o nosso, acho que esperávamos os dois que fosse nesse momento, da decisão ou da mudança, que eu percebesse; já não há volta a dar.

Foi hoje, dia dos namorados e, coincidentemente, no aniversário da primeira noite que passámos ali que, enquanto corria pela casa, já atrasada, a despachar-me para o trabalho que olhei de soslaio para a única das 137 caixas que o João já preparou para as mudanças. Uma caixa com muitos, mas apenas alguns dos muitos livros que temos. Os que estavam na estante ao canto da divisão a que chamamos escritório, mas que usamos, sobretudo, para estender roupa. Ficam a faltar os livros na estante igual que se encontra na entrada da casa, os livros que pusemos em cima da sapateira, os livros que estão em cima da cómoda no quarto, os livros nas mesas de cabeceira e os livros espalhados algures pela sala.

Olhei para essa caixa, com uma tão pequena parte dos nossos muitos livros e percebi: já não há volta a dar. Já não sei quais são os meus, quais são os dele, quais são os nossos.

Não consigo imaginar a dor de decidir quem fica com Saramago, quem leva Margareth Atwood. Não consigo imaginar a dor duma partilha de bens que se foram adquirindo numa vida que se adivinha comum. No nosso caso são os livros. Os dele, os meus e os nossos: já não há volta a dar.

 

 

Fevereiro 06, 2020

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Se contarmos com português, falo 4 línguas. Comecei a aprender francês com 10 anos.

Desde que me lembro que o meu tio, irmão da minha mãe, vivia na parte francesa da Suíça e era o nosso ídolo, meu e do meu irmão. Era mais novo que a minha mãe, o que o aproximava um pouco mais de nós e o fazia um adulto fixe. Trazia-nos coisas que não havia cá e contava-nos histórias que, para nós, só seriam imagináveis nesse reino longínquo que era o seu país. Falava várias línguas, o que era para nós sinal de uma cultura e conhecimentos ao alcance de poucos.

O meu tio casou com uma suíça, na terra da noiva, como manda a tradição, no ano em que eu fiz 10 anos. Os meus pais decidiram que para a viagem ser acessível para esta família de quatro membros, a faríamos de Renault 5. Saímos num final de tarde e atravessámos Espanha de noite. Passámos uns 3 ou 4 dias, se não me falha a memória em França. Lembro-me de Bordéus e Paris.

Chegados a Lausanne, foi tempo de conhecer a noiva, os amigos e de perceber as tradições daquele país, no que que bodas dizia respeito.

Fiquei fascinada pelo mundo do meu ídolo. O copo de água à beira-rio, a beleza da noiva e a simpatia dos amigos. Dei por mim a querer ser como eles. Vestir-me como ele, divertir-me como eles, falar com eles. E foi assim que, no regresso, decidi aprender francês. Sou uma privilegiada, porque sendo o meu pai professor dessa disciplina no ensino secundário, material não me faltou. Vi todos os desenhos animados e li todos os livros mais simples. Decorei falas e frases.

No ano seguinte, os meus pais decidiram repetir a proeza e fomos, desta vez de Renault 19, estrada fora fazer os mesmos quilómetros. Tive aqui a oportunidade de utilizar tudo o que tinha memorizado e foi nesse Verão que pronunciei a frase “peut tu me passer de l’eau » (podes passar-me água). Estávamos a jantar e o que eu queria era sumo, mas essa frase não estava no livrinho de Francês para Iniciantes que tanto li. A partir de aqui, com mais ou menos prática, fui consolidando a coisa e, com mais ou menos erros, passei a falar francês. Acredito que este esforço, feito com esta idade, ajudou-me a criar técnicas que me permitiram aprender outras línguas com alguma facilidade e passei, segundo muitos, a ter talento para as línguas.

Pergunto-me muitas vezes se realmente nasci com uma aptidão natural para a coisa ou se tudo seria diferente se as circunstâncias fossem diferentes?

Acredito mais na segunda hipótese. Acredito que os ingredientes para o sucesso, seja para línguas, seja para música, representação ou aquilo que se escolha, são ter um objetivo claro que, por si só, leva a uma obstinação e determinação que tudo permitem. Tudo se consegue com trabalho.

Fevereiro 04, 2020

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Em 2014 soube que havia um site chamado 100 happy days (100 dias felizes em inglês) que desafiava as pessoas a documentar a sua felicidade durante 100 dias seguidos. O processo era simples. Tirava-se uma foto de algo que, de alguma forma, representasse felicidade, publicava-se numa das muitas redes sociais disponíveis, como o Facebook, o Instagram ou o Twitter e identificava-se a iniciativa com o chamado hashtag #100happydays e contavam-se os dias tinham já passado desde que se tinha iniciado a experiência. 

No site podem ler-se todas as instruções e vantagens de fazer isto e, ainda, que 71% dos participantes desiste muito antes de completar os 100 dias. O que me levantou a questão, será a falta de disciplina que impede tantas pessoas de terminarem a tarefa ou será assim tão difícil ser-se feliz durante 100 dias seguidos? Abracei a experiência sem objectivo e sem grandes expectativas, só a vontade de não ser uma estatística.

Durante 100 dias documentei momentos felizes. Momento com amigos, momentos com patos, momentos em que vi paisagens bonitas ou que decorei a casa com algo novo ou que experimentei uma nova receita, muitos momentos, mas mesmo muitos, com a minha cadela.

Não foram 100 dias fáceis. Umas vezes porque me esquecia de tirar a fotografia, outras porque os dias eram difíceis, outros porque sentia que utilizar a cadela para este efeito, era batota.

Percebi que, para este exercício, efectivamente, era necessária disciplina. Não apenas a disciplina de ter o trabalho de tirar a foto e publicá-la, mas a disciplina de procurar a felicidade.

Percebi que ser feliz não é só uma coisa que acontece. É uma coisa que, também, se pode fazer acontecer. Percebi que está nos detalhes. Nem sempre é um dia inteiro, nem sempre é uma coisa óbvia. Pode ser uma coisa tão simples como acender uma vela para um momento mais acolhedor ou permitirmo-nos comer a nossa comida preferida.

Percebi que a felicidade não está nos outros. Ter amigos ou namorado ou trabalho ajuda, mas não é condição necessária, mesmo que, muitas vezes, seja suficiente.

Percebi que um animal doméstico, no meu caso, um cão, pode ser uma imensa fonte de felicidade, por motivos que já se conhecem. Ser feliz por tê-los, por estarem ali devotos de forma incondicional, até pelo facto de dependerem e esperarem por nós, não é batota. É conexão e empatia.

Finalmente, percebi que é possível treinar o cérebro para procurar a oportunidade de ser feliz. Se ao início a coisa exigia algum esforço para encontrar esse pequeno detalhe que me enchia de prazer, com o tempo foi-se tornando mais natural e dei por mim a sentir uma maior apreciação por coisas do dia-a-dia, tantas vezes dadas por garantidas.

No meu caso, estes 100 dias, acabaram por coincidir com uma fase difícil, com alguns problemas que, na altura, não pareciam de fácil nem rápida resolução. Por isso, este compromisso acabou por se revelar ainda mais importante pela capacidade que teve para me manter à tona e positiva. Ainda assim, a grande conclusão foi ter percebido que não são os dias tristes que são perigosos, mas os dias assim-a-assim. Aqueles dias em que nada de importante acontece, em que obedecemos à rotina, entramos em piloto automático e, simplesmente, esquecemo-nos de ser feliz.

Janeiro 23, 2020

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Estive 15 anos solteira e quando se está tanto tempo sozinha todos querem ajudar, todos têm um conselho a dar. Talvez porque tenham receio que haja algum problema connosco, talvez porque veem ali uma oportunidade para que não cometamos os mesmos erros, talvez um pouco das duas coisas. Ouvi muitas coisas. Desde o que eu deveria ser, não ser, melhorar ou camuflar, até ao que devia procurar. Escolhe bem, diziam-me. Que seja fiel, que seja  trabalhador, que te faça rir, que seja criativo, que seja inteligente, que goste das mesmas coisas que tu. Há todo um estereótipo de homem ideal e, estando tantos anos solteira, eu não podia falhar. Também ouvi os mil e um truques para manter uma relação. Resumidamente, os pontos mais comuns eram os da comunicação e da rotina, sendo que a falta da primeira e o excesso da segunda eram problemas fatais, que levavam a um único desfecho, o fim.

 

Quando se está tanto tempo com esse estado civil também se passa muito tempo sozinha. Depois dos 30, por mais amigos que que se tenham, por mais vida social que se viva, há mais tempo para tudo. Para socializar, para dormir, para ver televisão, para estar sozinha. Agora que o meu estado civil mudou, vejo esses tempos como momentos em que o tempo dava para tudo. Para a vida social, para ler, para escrever, para estar sozinha quando me apetecesse. O tempo esticava.

 

Tenho a sorte e o azar de ter encontrado alguém com quem não há, nunca, dois dias iguais. Não há horários, o trabalho (dele) é variado, criatividade e inteligência, esses requisitos de que me falavam, não falham. Dou por mim a desejar a tão malfadada rotina e percebo, então, que a rotina de que me falavam não era literal. Sem a ter, tenho as mesmas queixas. O que parece ser fatal numa relação não são os dias iguais. São as obrigações que acabam por ser prioritárias na nossa vida. Que nos consomem todas as energias e todo o nosso tempo. Ou grande parte dele.

“A que horas chegas?” é a maior constante nas nossas vidas. A pergunta que faço diariamente. A resposta varia e a sua veracidade também. Porque há sempre qualquer coisa. Um e-mail urgente que chegou, uma chamada que tinha que atender, uma alteração que o cliente pediu. A tecnologia a separar na mesma medida que nos une.

 

São muitos os dias em que janto sozinha. Este ano, não estávamos juntos no dia em que fiz anos, não jantámos no dia dos namorados. As datas passam, as férias são trocadas, os fins-de-semana são uma incógnita.

 

Será este um dos muitos desafios das relações com os novos modelos de trabalho? Casais sem tempo de se fartarem um do outro, mas fartos de estar sozinhos?

 

Para além de dar por mim a desejar saber a que horas ele chega, dou por mim a desejar que fosse bem cedinho. Para passarmos mais tempo juntos, mas também para que eu durma mais.

Sou daquelas pessoas que funciona bem de manhã, depois de umas 8 horas de sono seguido e bem dormido. Ao contrário de muita gente, deitar-me tarde e acordar tarde não funciona para mim. Sinto-me sem energia, pesada, pouco produtiva e ainda menos criativa. Fico com dores de cabeça, rezingona, respondona. Sinto que deixei de ser dona do meu tempo.

 

Por isso, à laia do que me fizeram a mim, deixo o conselho àqueles que ainda vão a tempo. Escolham bem. Não interessa se ouvem a mesma canção, como diz o outro, escolham alguém que dorme à mesma hora.

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