Janeiro 31, 2019
Na passadaterça-feira, fui ver a peça de teatro “Conversas Sérias da Marta Gautier – O quefarias se não tivesses medo”, no teatro Villaret. Já tinha visto uma outra peçada Marta, sempre um monólogo, mas num registo muito diferente, de supostohumor, por isso, não tinha a mínima ideia ao que ia.
Fiquei semperceber bem o que chamar à coisa. Lá em cima chamo-lhe “peça de teatro” porser no Villaret e tal, mas a verdade é que não é teatro. Talvez seja umaplataforma de promoção para os retiros que a mesma organiza, talvez se possa (ou queira)chamar de palestra motivacional, talvez seja uma espécie de sessão de lifecoaching em grupo. Na prática, é um monólogo sobre ela própria e a sua vida.Diz a mesma que é com o objectivo de influenciar positivamente os outros. Paramostrar aos que precisem, os seus exemplos e como determinadas mudanças podemser melhorias na vida de cada um.
Para quem nãosabe, eu sou uma life coach certificada. Atualmente, não se pode dizer queexerça e muito menos que receba dinheiro com isso. Faço umas sessões a uma ououtra pessoa, amigas de amigas ou assim. Mas fiz o curso e já fiz sessões a vários clientes.
Nesse âmbito, concordo commuitas das coisas que a Marta disse, mas há coisas com as quais não concordo mesmo nada.
Primeiro, a Martaassume-se com uma pessoa muito zen. E o espetáculo começa de forma zen. UmaMarta a falar de forma doce, que não quer palmas, que fecha os olhos e inspirae expira, que se mete pelo meio da audiência, dá-lhe toda uma volta e vai fazendofestinhas às pessoas sentadas nos lugares nas pontas. Mas depois a Marta começaa falar e é toda uma ansiedade. Não respira, atropela-se, muda de ideias.Fiquei com palpitação só de ouvi-la.
Depois, a Martafalou de muitas alterações que fez na sua vida. A necessidade de estar maispresente e não se alhear, por exemplo, a ler um livro. A necessidade dedesapego nas conversas que não lhe acrescentam valor. A necessidade de nãoestar sempre contatável. Especificamente, a Marta falou do Whatsapp. Os gruposde Whatsapp, a informação de que a mensagem foi lida e não respondida ou vice-versa“agora vão ler que eu li, tenho que responder já, ai que ansiedade”. Tenho ateoria que o que as redes sociais têm de bom, também têm de mau. Também eupadeço desse mal de ficar ansiosa se não me respondem. Sejam amigos, sejam opadeiro da esquina. Pergunto-me sempre se devia ter escrito de outra maneira,se é o tema que não lhes interessa, se sou eu, se são eles. Acho que é daquelascoisas que se pode aprender a gerir, mas percebo que cada um escolhe as suasbatalhas e esta não é uma da Marta. Também tenho a teoria que ela vê como umacto de coragem e irreverência esta coisa de não ligar às redes sociais. De algumaforma intensifica-lhe aquele ar blazé do qual diz querer fugir, mas do qual sealimenta.
Finalmente, aMarta fala da sua crença no universo. A Marta acredita que o universo nos dáaquilo que pedirmos. Compreendo a necessidade de fé. E chamo-lhe fé, no sentidolato e não religioso, embora, para mim, isto não seja diferente de quem acreditae pede a Deus. Como life coach, a minha fé é nas pessoas e nas suas próprias capacidades. Acho este discurso perigoso, porque não dá às pessoas ferramentaspara maximizarem o seu potencial, para saberem gerir-se a elas próprias ouaquilo que a vida lhes reserva. A Marta dá o exemplo da chuva. De pedir ao universoque não chova durante o tempo em que faz o percurso carro casa (ou outro sítioqualquer). E conta situações em que não chove porque ela pediu. Não vá o diabotecê-las e alguém apanhá-la à chuva, explica que isso acontece quando ela nãose consegue conectar com o universo. Ou quando o universo lhe quer dar umalição. Não compreendo como se pode atribuir a uma pessoa a responsabilidade sobre fenómenos da natureza. Ou, a ser verdade que o universo nos dáo que pedimos, o quão egoísta pode ser tal pedido? E se a chuva fizer falta? E sedo outro lado estiver um agricultor a pedir ao universo que chova? Quem ganha?
Para mim, para sealcançar a tão desejada paz é muito mais importante a capacidade de aceitaraquilo que não se controla. É duro, é duríssimo. Não estamos programados paraaceitar a falta de controlo, mas é a maior prova de inteligência emocional, saber redirecionar energia para o que efectivamente está ao nosso alcance.