Fevereiro 06, 2020
Se contarmos com português, falo 4 línguas. Comecei a aprender francês com 10 anos.
Desde que me lembro que o meu tio, irmão da minha mãe, vivia na parte francesa da Suíça e era o nosso ídolo, meu e do meu irmão. Era mais novo que a minha mãe, o que o aproximava um pouco mais de nós e o fazia um adulto fixe. Trazia-nos coisas que não havia cá e contava-nos histórias que, para nós, só seriam imagináveis nesse reino longínquo que era o seu país. Falava várias línguas, o que era para nós sinal de uma cultura e conhecimentos ao alcance de poucos.
O meu tio casou com uma suíça, na terra da noiva, como manda a tradição, no ano em que eu fiz 10 anos. Os meus pais decidiram que para a viagem ser acessível para esta família de quatro membros, a faríamos de Renault 5. Saímos num final de tarde e atravessámos Espanha de noite. Passámos uns 3 ou 4 dias, se não me falha a memória em França. Lembro-me de Bordéus e Paris.
Chegados a Lausanne, foi tempo de conhecer a noiva, os amigos e de perceber as tradições daquele país, no que que bodas dizia respeito.
Fiquei fascinada pelo mundo do meu ídolo. O copo de água à beira-rio, a beleza da noiva e a simpatia dos amigos. Dei por mim a querer ser como eles. Vestir-me como ele, divertir-me como eles, falar com eles. E foi assim que, no regresso, decidi aprender francês. Sou uma privilegiada, porque sendo o meu pai professor dessa disciplina no ensino secundário, material não me faltou. Vi todos os desenhos animados e li todos os livros mais simples. Decorei falas e frases.
No ano seguinte, os meus pais decidiram repetir a proeza e fomos, desta vez de Renault 19, estrada fora fazer os mesmos quilómetros. Tive aqui a oportunidade de utilizar tudo o que tinha memorizado e foi nesse Verão que pronunciei a frase “peut tu me passer de l’eau » (podes passar-me água). Estávamos a jantar e o que eu queria era sumo, mas essa frase não estava no livrinho de Francês para Iniciantes que tanto li. A partir de aqui, com mais ou menos prática, fui consolidando a coisa e, com mais ou menos erros, passei a falar francês. Acredito que este esforço, feito com esta idade, ajudou-me a criar técnicas que me permitiram aprender outras línguas com alguma facilidade e passei, segundo muitos, a ter talento para as línguas.
Pergunto-me muitas vezes se realmente nasci com uma aptidão natural para a coisa ou se tudo seria diferente se as circunstâncias fossem diferentes?
Acredito mais na segunda hipótese. Acredito que os ingredientes para o sucesso, seja para línguas, seja para música, representação ou aquilo que se escolha, são ter um objetivo claro que, por si só, leva a uma obstinação e determinação que tudo permitem. Tudo se consegue com trabalho.